quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Três Anos no Sertão da Bahia (parte 6/6)

...continuação

AS FÉRIAS

Em quase três anos de trabalho e diversão na Bahia, eu só tirei férias de verdade uma vez, além de uma pequena folga de fim de ano. A desvantagem de se trabalhar longe da família e da própria cidade natal é que, durante as férias, o destino da viagem será sempre lá.

Fui de ônibus, carregando as amostras de minerais e rochas, as antigas moradas dos escorpiões do meu quarto no alojamento. Permaneci em São Paulo a maior parte do tempo, sobrando poucos dias para dar um pulo no Rio de Janeiro e rever colegas da universidade. Mas valeu a pena. Senti que adorava a cidade de São Paulo, apesar de toda a feiúra, falta de cor, falta de verde, falta de humanismo.

Escolhera o mês de agosto para a viagem, justamente a época fria e seca em São Paulo, quando abundam no ar a poluição e a enorme quantidade de doenças em suspensão. Não deu outra. Peguei uma gripe de matar. Creio que em minha última semana de férias, ia da cama ao sofá da sala, dali para a mesa comer, antes de novamente voltar à minha cama. Terrível. O peito congestionara pesadamente e a coisa parecia que não iria mais embora.

Embarquei de volta ainda muito gripado. Sofri bastante os efeitos da descida do avião na chegada em Salvador. Minhas vias respiratórias estavam entupidas, tudo congestionado. Senti forte pressão nos ouvidos no momento mais intenso da perda de altitude do avião. Quando as rodas da aeronave tocaram o chão eu instintivamente coloquei as mãos nas orelhas. Senti algo pegajoso brotando delas. Enchi minha mão de pedaços de cera escura. Ainda bem que havia guardanapos à mão. Senti tonturas no momento de descer as escadas do avião.

O clima seco do sertão baiano, os chás e xaropes à base de casca de angico e a paciência foram fundamentais para superar mais uma gripe, daquelas que a gente pega de vez em quando e jamais esquece.

A FESTA DE SÃO PEDRO

Além do excelente São João em Senhor do Bonfim, valiam as festas de Santo Antônio em Campo Formoso e, em menor grau, pelo isolamento e acesso difícil, a festa de São Pedro na vila de Andorinha. Sempre passava por ali a caminho do trabalho, às segundas-feiras pela manhã, ou voltando às sextas-feiras à tarde. Em uma dessas sextas, a caminho de Senhor do Bonfim, era véspera de São Pedro. Decidimos parar e aproveitar a festa em meio às barracas ao redor da praça. Era apenas aquela noite e o dia seguinte. E ali vinham somente os sertanejos, homens e mulheres, que sobreviviam às duras penas espalhados pela caatinga ao redor. Chegavam de roupas engomadas, cabelos penteados, exageradamente perfumados, com toda a família, felizes e esperançosos.

Naquele fim de tarde em Andorinha, começamos a beber cachaça com lascas de bode assado. Muito mais cachaça que bode. Eu conversava com vários sertanejos de cujos assuntos sempre recaíam sobre ocorrências minerais na região. Sugeriam que eu fosse verificar no local. Eu concordava com a ideia e dava outro gole. As horas passaram. Era muita conversa e muita cachaça forte e de qualidade medíocre, apesar da origem mineira, de Januária. De repente o mundo caiu. Apaguei.

Acordei na manhã seguinte, deitado no sofá de uma casa desconhecida. O monte de vômito fedia sobre o tapete ao lado. Os donos da casa estavam acordados e me cumprimentaram sorrindo. Funcionário da mesma empresa de mineração, ele me encontrara deitado, sozinho, de barriga para cima e de braços abertos, em uma das vielas na noite anterior. Ainda brincou que os cachorros me lambiam o rosto no momento em que me achou. O casal pouco falava, apenas sorria e me observava com curiosidade. Agradeci, desculpei-me pela sujeira no tapete da sala e saí à procura do carro para voltar a Senhor do Bonfim com o insuportável gosto de cabo de guarda-chuva na boca.

O FIM

Meu trabalho na empresa de mineração se arrastava sem grandes prazeres profissionais. A relação com o gerente, o famigerado perdigueiro frustrado, ia de mal a pior. Por outro lado, minha vida social na região, Senhor do Bonfim, Salvador, Juazeiro, melhorava com o tempo. Mais e melhores amigos e amigas, mais e melhores mulheres. Sem dúvida eu me enraizava na Bahia, sensação que me alegrava tremendamente.

Não via no lado profissional, no entanto, luz no fim do túnel. Matutara bastante, aventara as possíveis saídas, ponderara os prós e contras, e nada de solução. A despeito das insatisfações quanto à monotonia de minhas atividades, a empresa e o fiel perdigueiro frustrado nem pensavam em alterar a situação, tão confortável a eles. Então me enchi de tudo e chutei o pau da barraca.

Viajei a cidade de Pojuca, sede administrativa da empresa, e entreguei a carta de demissão pessoalmente ao diretor de pesquisa, aquele mesmo das evacuações sofridas e ruidosas. Impassível, fingindo mal a preocupação pela minha saída, prometeu acelerar o processo.

Peguei ônibus de volta a Salvador e, de lá, outro até Senhor do Bonfim, aliviado pela decisão certa tomada no momento oportuno. Era final de junho e os festejos de São João na cidade atingiam o ápice. O ônibus de Salvador a Senhor do Bonfim, por essa razão, não podia estar mais lotado. Lugar sentado, impossível. Sem alternativas, aceitei o desserviço da empresa e me conformei em ir em pé, no corredor do ônibus, literalmente espremido, entalado no meio de dezenas de outros viajantes. Eu mal conseguia colocar meus pés no piso do ônibus tal a quantidade de pessoas na mesma situação. Pisava e era pisado pelos outros. Foram mais de sete horas de tortura naquela lata de sardinhas.

Desembarquei mancando devido às posições incômodas. Não lembro se comi algo. Desabei na cama do quarto da pensão sem banho e só saí no dia seguinte.

Ainda voltei à sede do alojamento na caatinga para me despedir dos colegas de trabalho.

Mas havia os dias de festa de São João na cidade e não podia desperdiçar minha última oportunidade de aproveitá-la. Circulei bastante pelas barracas. Vi e revi todos os de quem desejava me despedir com classe. Não faltou ninguém. Peregrinei à vontade pelos pontos altos da festa, inclusive pela noite da Guerra de Espadas.

Junho terminou. Com ele as festas juninas e minha estadia de quase três anos pelo sertão norte da Bahia. Tentaria sem sucesso outras empresas de mineração das imediações. Entristecido por deixar lugar e pessoas de quem me apegara, embarquei em ônibus para São Paulo no início de julho de 1981.

Deixava para trás a região da cidade de Senhor do Bonfim, aonde eu retornaria somente uma infinidade de anos depois, a passeio.

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