quinta-feira, 29 de março de 2012

Paraíba e Pernambuco (parte 3/5)

...continuação
O café da manhã do dia seguinte veio mais familiar, mas, claro, sem faltar as peculiaridades regionais. Desta vez foi tigela de salsichas mergulhadas em molho de tomate. Apenas a afastamos de lado e comemos os demais itens.
Bem que tentamos nos informar de rotas alternativas para a Olinda. Tudo para evitar a tenebrosa BR-101 duplicada. Não tinha jeito. A possibilidade de atravessar a Ilha de Itamaracá e o povoado de Nova Cruz para atingir a praia de Maria Farinha esbarrava na irregularidade do serviço de ambas as balsas.
Sem saídas, adentramos novamente na pavorosa e duplicada BR-101. E mais congestionamentos e trânsito pesado na altura do município de Abreu e Lima. Na cidade de Paulista, acessamos estrada diagonal no sentido do mar, mais precisamente rumo à praia de Maria Farinha. Percorremos toda a extensão da praia pela avenida paralela ao mar, abrigando apartamentos e casas de temporada, infraestrutura para visitantes, o conforto necessário, mas carecendo de beleza.
Olinda estava calma, sem guardadores e, surpreendentemente, sem o sufoco dos famigerados guias turísticos. Aliás, ao contrário de minhas outras visitas à cidade, os guias, adultos e mirins, não incomodaram, apenas ofereceram serviços discretamente, sem insistirem.
Caminhamos, exploramos, visitamos, contemplamos, apreciamos, com calma, sem tumultos, sem assédios, as extraordinárias igrejas, mosteiros, ateliês de arte, ruas, ladeiras e becos, construções, casas antigas e bem conservadas. Os destaques ficaram por conta da igreja de São Bento, da vista panorâmica da cidade, das praias e do Recife, obtida do alto da Sé, dos centros culturais, da simpatia dos pernambucanos. Repetíamos as visitas, parávamos, voltávamos, observávamos em detalhes, mais uma e outra vez.
A fome bateu em cheio. Apesar das inúmeras opções oferecidas no bufê do restaurante instalado em quintal arborizado, me concentrei na divina, estupenda, estonteante, saborosíssima galinha à cabidela. Apenas um pouco de arroz branco e angu para realçar a iguaria. E uma generosa jarra de suco de graviola. Preparei dois pratos cheios totalizando um quilo e duzentos gramas de galinha à cabidela. Saí engordado, preenchido, estufado. Nem podia andar e me movimentar direito. Mas saí em estado de graça, pleno de felicidade, satisfeitíssimo, pelo almoço dez estrelas. E o excesso não causou nenhum mal. Nadinha de nada. Prazer puro!
 À tarde pegamos de volta a mesma avenida da praia de Maria Farinha. Avançamos um pouco mais e arriscamos a primeira balsa para o vilarejo de Nova Cruz. Nada feito. Estava quebrada. Manobrei e retomamos a passagem pela cidade de Paulista, o terror da BR-101, o cruzamento pelo deprimente município de Abreu e Lima, o acesso a Igarassu e a pousada em Itapissuma.
Assisti parte dos prosseguimentos da festa de São Gonçalo do Amarante, em procissão de velas, acompanhadas de cantoria puxada por senhora bem idosa, a caminho da igreja matriz. Rojões estouravam convocando os fiéis para a missa em seguida. As águas do canal, vazias e calmas naquela noite, refletiam as luzes urbanas. Solitários e casais de namorados encostados na murada aproveitavam o silêncio da noite. As barracas que ofereciam as pesadas caldeiradas se encontravam fechadas. Um ou outro bêbado cambaleava por ali.
Ao percorrermos as ruas de Itapissuma, a pé ou de carro, éramos minuciosamente observados e analisados pelos moradores, das janelas das casas, sentados em cadeiras em frente às casas ou nas guias das calçadas, de dentro do comércio, de outros veículos. De todos os pontos. Não nos olhavam com censura, mas com curiosidade e espanto.
Atravessamos a extensa ponte a partir do centrinho de Itapissuma e entramos na Ilha de Itamaracá. Iniciamos pela parte sul, mais especificamente pelo Forte Orange, ao lado da praia. Vista da própria areia, a ilha da Coroa do Avião surgia imponente no meio do mar.
O Forte Orange construído pelos holandeses durante a ocupação encontrava-se fechado para visitação interna. Nos contentamos em circundá-lo e apreciar a alta e espessa murada, as ameias, as torres de observação, o manguezal em uma das laterais.
A praia não nos seduziu. Ainda era cedo para descansar a carcaça em alguma barraca na areia. E não estávamos a fim de nos entupir de bebidas. Embarcamos rumo a outros pontos da ilha. Percorremos o centrinho singelo com ruas e comércio pacatos, e mais praias.
O Caminho dos Holandeses, longa estradinha calçada de pedras, nos conduziu ao vilarejo de Vila Velha, situado no alto de uma colina. Compunha-se de casinhas ao redor de um retângulo, igreja secular, produção de artesanato, vista panorâmica do mar e da charmosa ilha da Coroa do Avião. Toda a vila transpirava calma, silêncio, tranquilidade.
Pegamos a estrada de terra no rumo norte na intenção de conhecer as praias oceânicas mais afastadas da agitação do centro e sul da ilha. No caminho nos deparamos com os muros altos de enorme penitenciária, com direito a filas de familiares, amigos e amantes carregando sacos com comida e demais pedidos dos presos. Peruas de lotação e comércio básico se aproveitavam da situação para encher o bolso. Nada diferente das cenas de penitenciárias pelo Brasil afora.
E acessamos as praias mais ao norte, dispostas na chamada Baía dos Golfinhos, a mesma acessada por canoas a partir dos pontos centrais da ilha. Loteamentos sem fim, ainda com vastas áreas vazias, sem construções, casas simples de temporada, comércio suficiente para atender a demanda, ruas sem calçamento. Praia longa, praticamente vazia naquele momento de muitas nuvens e pouco sol. Quiosques esparsos de alvenaria recebiam mais o vento constante que fregueses.
Caminhei pela praia na intenção de chegar à extremidade norte da ilha, bem distante dali. Nada de sol e muito vento cortante. Casas e partes de casas destruídas indicavam o avanço violento do mar. Impressionavam os pedaços de concreto projetados no ar ou despencados sobre a areia da praia. Placas de imóveis à venda mostravam o desespero e o último recurso para não se perder tudo. O vento aumentava de intensidade, acompanhado de chuvisco gelado. Quase uma hora depois atingi a ponta norte da Ilha de Itamaracá sob um clima para lá de inóspito. Um bar de madeira em condições precárias era a única construção por ali. O proprietário e provavelmente morador solitário no mesmo local varria não sei o quê, deslocando areia de um ponto a outro, debaixo de ventania dos diabos e garoa intermitente. As rajadas deslocavam a areia solta da praia e formavam véus esbranquiçados que me chicoteavam violentamente. Ficava quase impossível observar a paisagem da ilha e o continente mais a oeste e a norte, tal a força do vento e da chuva fina. Dei meia volta e caminhei apressado, com o rosto inclinado, tentando me proteger, sei lá como, daquela momentânea sensação de frio.
Pegamos a estrada de terra, passamos novamente ao lado do lúgubre presídio, acessamos o asfalto e cruzamos a ponte para o continente.
De volta ao nosso “lar” na cidade base de Itapissuma, mais rojões avisavam sobre as continuações das festividades de São Gonçalo do Amarante. Chuvas esparsas não impediram que saíssemos para forrar o bucho em restaurante para lá de simples, talvez o único em funcionamento naquela noite.
Mas ainda faltava a vizinha Igarassu. Apesar de termos atravessado a cidade diversas vezes, não nos permitíramos o tempo necessário para explorá-la como merece. E definitivamente o centro histórico de Igarassu merece uma visita detalhada, calmamente, saboreando, sem pressa.
Uma das cidades mais antigas do Brasil, Igarassu oferece conjunto arquitetônico ímpar, entre casarões, igrejas, mosteiros, calçamento pé de moleque, ladeiras, museus, prédios públicos, dispostos em área central do que restou daquela concentração urbana dos séculos XVI, XVII, XVIII. E o destaque ficou por conta da igreja de Cosme e Damião, erguida em 1535, guardando a imagem dos santos gêmeos no altar e demais divisões internas. Construído no mesmo século XVI, o convento de São Francisco reservava rica coleção em obras de arte, pinturas e esculturas, expostas em vasto salão vetado a fotografias. Enquanto perambulávamos pelas ruas de Igarassu, uma banda musical mirim toda paramentada se preparava para ensaiar ao ar livre.
  Saciados de tanto contemplar os testemunhos da história do Brasil colonial, pegamos novamente a BR-101, agora no sentido norte, surpreendentemente vazia. Assim que deixamos Pernambuco e entramos em território paraibano, dobramos à direita, sentido litoral. Passamos por Caaporã, ainda em meio a canaviais a perder de vista, minúsculos e precários vilarejos, caminhões e treminhões trafegando pela estrada estreita, usinas soltando baforadas de fumaça escura.
Tentamos nos hospedar em Pitimbu. Mas a cidade, feia e suja, as opções de hospedagem, caras, ruins e barulhentas, a praia em frente, poluída e nada convidativa, nos expulsaram dali em pouco tempo. Prosseguimos em estrada estadual litorânea no sentido norte.
Pesquisamos inúmeras pousadas e hotéis pelo caminho, nas imediações dessa ou daquela praia do litoral sul da Paraíba. Ou eram absurdamente caras pelo pouco que ofereciam, ou estavam lotadas. Em uma pousada nova, mas extremamente básica e na beira da rodovia, com direito à poluição sonora e do ar, o proprietário com sotaque de língua inglesa ousou cobrar preços estratosféricos. Mesmo com o estabelecimento quase vazio, o gringo se recusou a pechinchar. Se dependesse de nós, o tal lugar permaneceria sem hóspedes.
Paramos em Tambaba, praia famosa pelas famosas falésias e pelo trecho exclusivo para praticantes do naturismo. Hordas de turistas de um dia, conduzidos ou não pelas agências de João Pessoa, chegavam e partiam em minutos. Aterrissamos no único bar e restaurante do trecho sem nudistas. Enchemos a pança com peixe frito e matamos a sede. Relaxamos e apreciamos o visual da pequena praia em frente, no formato de baía com pedras. Mas o que realmente encantou foi o visual do alto do morro na direção norte, com as extensas falésias de frente para praias quase desertas, espumas brancas despejando as águas azuladas do mar nas areias acastanhadas.
continua...
                              

4 comentários:

  1. Quando vc fala em Olinda e Itamaracá me vem à lembrança meus 23, 24 anos. Costumávamos tocar violão em barzinhos de Olinda e varávamos a noite cantando Alceu, Geraldinho, Luiz Gonzaga, etc. De dia a vista é belíssima. Quanto à Itamaracá, passei um carnaval muito especial lá, acampando com uma turma de amigos. Saudade de Recife. Não preciso mencionar que adoro seus relatos, porque me levam para lugares que não conheci. Obrigada, Augusto. Um abraço. Inês Azevedo

    ResponderExcluir
  2. Oi Inês!
    Mais uma vez, obrigado pela visita e pelos comentários.
    Bons tempos os seus. Desfrutando da região, livre, leve e solta. Bem melhor do que turismo, meio achado, meio perdido rsss.
    E acampar, atividade que adoro, em Itamaracá, deve ter sido mágico!
    Há uma outra viagem, relatada aqui no blog, e chamada de "do Amazonas a Sergipe", em que eu relato minhas incursões ao estado de Pernambuco. Bastante sertão e muito mar. Confira e me diga o que achou.
    E comente sempre!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fico meio perdida pra acessar seu blog, não sou muito versada em tecnologia, RS. Mas vou dar uma olhadinha sim. Obrigada pelas respostas, Augusto, vc pegou o espírito da minha juventude. Foi muito especial tudo o que vivi no Recife.

      Excluir
  3. Obrigado pelos elogios. Fico muito feliz por tocar em temas e lugares sensíveis de sua vida.
    Para interagir com o blog é simples. Pelo computador vai encontrar mais opções de pesquisa. Mas, se for pelo celular, clique no pé da página na opção "Ver versão para a web". Assim a tela aparecerá no formato do computador.
    À direita, se encontram as opções, por estado do Brasil, por país em cada continente, por data de publicação, ou, mais acima, por uma palavra qualquer. Pronto.
    Aí é só navegar nas partes dos relatos segundo os critérios de sua escolha.
    Qualquer dúvida estarei aqui.
    Comente sempre!

    ResponderExcluir